O que acontece quando se passa a considerar o texto como firmemente ancorado em seu momento, não de escrita, mas de realização? O que acontece quando consideramos a gravação de uma canção de Nina Simone como objeto de leitura, de análise e, por que não, de tradução? E o que pensar da tradução orientada para sua realização, novamente, em performance? Em ato vivo, ele próprio irrepetível tanto quanto o original em que se baseia, considerado agora não apenas como fato performático, mas também como dado performativo, como criador de um momento, um recorte no tempo que, por estar cravado no tempo e no momento, não pode ser novamente dado a ver, a não ser através de um novo ato, uma nova criação. Como falar da palavra enunciada como magia, como efetivo criador de realidade? Neste Algo infiel, é ancorando a letra na voz, o som no corpo, o poema na sua realização como ato pleno, que Guilherme Gontijo Flores e Rodrigo Tadeu Gonçalves produzem uma sucessão de ensaios que individualmente já configuram uma contribuição originalíssima, cuja interconexão — entre si e também com as fotos de Rafael Dabul — cria sentidos ainda mais profundos. O resultado é uma espécie de constelação ensaística que tenta repensar o lugar da tradução, do tradutor e do texto traduzido num mundo agora de feitos e feitiços, de sentidos e sentidos, de criadores, criações e criaturas. Este ensaio foi realizado pelo fotógrafo Rafael Dabul para o livro Algo Infiel: corpo, performance, tradução dos autores Rodrigo Tadeu Gonçalves e Guilherme Gontijo Flores, em 2017.